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Escuro maio 1, 2023

Posted by reginaldo21 in Uncategorized.
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comunnidd

Me perguntam no primário o que eu queria ser quando crescesse.

Na primeira linha eu despejei meus sonhos, na linha de frente, todas as balas que estavam no pente.

A caneta continha tinta preta, realçavam todos os meus erros, vírgulas, proparoxítonas, e então eu descobri que como a caneta, borracha nenhuma podia apagar a herança maldita escritas entrelinhas na minha pele tão escura, retinta, a não ser que fosse no cair da noite, as armas sempre enxergavam direitinho a mira.

Eu perguntava a minha mãe, “eles não nos veem na penumbra?”

O sorriso amarelo dela não precisava de palavra alguma, já a minha irmã no barraco de pau a pique por alimento clamava, nenhum dos meus amigos tinham uma “família de comercial de margarina”, talvez porque os pais saiam cedo para buscar o pão e só retornavam para casa a base de cachaça e armados com uma cinta. Me perguntaram no ensino fundamental novamente, que tipo de emprego eu teria em mente, eu sonhava alto, assim como os aviõezinhos na quebrada, oferecendo um papelote e uma bucha sempre de primeira, bem recheada.

A meritocracia nessa época na minha cabeça se fazia presente, mas como competir merecimento com alguém que dá largada a passos na sua frente?

A amargura pincela a alma gradativamente, assim como as balas dilaceravam os corpos sem vida de meus parentes, era difícil citar alguma rua do meu bairro que já não tivesse sido telespectadora dessa guerra sistêmica, do choro, da mãe que perdeu um filho, de mais um que se perdeu na violência.

Escuro demais para usar terno, escuro demais para namorar a minha filha, escuro demais para ter uma boa faculdade, uma boa vida.

O ensino médio, eu larguei, e as redações feitas foram ao lixo, e se me perguntassem agora o que eu gostaria de ser quando crescesse, eu diria: “um preto que chegou a maior idade vivo”.

Jaqueline G.